O que está acontecendo no Pantanal e o que precisa acontecer?

Publicado por parquedasaves em 18/09/2020

Atualizado em 26 de janeiro de 2023

Tempo de leitura: 7 minutos

Ben Phalan, chefe do Núcleo de Conservação do Parque das Aves, em Foz do Iguaçu, esteve com a esposa, Luciana Leite, no Pantanal, e nos conta em primeira mão os relatos da sua experiência. Acompanhe abaixo  o depoimento completo e compartilhe:

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Acabo de voltar de oito dias no Pantanal. O que está acontecendo lá e o que precisa acontecer?

Foi uma viagem planejada há muito tempo, agora que vivemos perto o suficiente para chegarmos lá sem voar. Pretendíamos comemorar nosso aniversário de casamento com alguns dias de lazer e observação da vida selvagem. Ao invés disso, encontramos o Pantanal em chamas:

Incêndios no Pantanal causam devastação, matam animais e emitem alerta climático

O Pantanal é a maior planície inundável do mundo, na confluência dos biomas Amazônia, Cerrado, Chaco e Mata Atlântica

Foto: CC-BY-SA Filipe Frazão

O Pantanal é o lar das maiores densidades de onças-pintadas do mundo, bem como de ariranhas, antas e uma enorme diversidade de aves e outras espécies.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Agora está queimando. O Pantanal está passando pela pior seca dos últimos 47 anos, e quase nenhuma chuva caiu desde janeiro, especialmente no norte.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Embora alguns incêndios ocorram naturalmente no Pantanal, a maioria é iniciada (intencionalmente ou acidentalmente) por pessoas. Os incêndios naturais são iniciados por raios e geralmente se extinguem rapidamente devido à chuva forte que se segue.

De acordo com os fazendeiros, as leis ambientais restringiram sua capacidade de queimar, resultando em um acúmulo de biomassa e incêndios mais graves. Ao mesmo tempo, acredita-se que muitas das queimadas foram acesas para limpar a terra para pasto, e depois ficaram fora de controle.

As condições no Pantanal neste momento são perfeitas para o fogo. Os níveis de água são os mais baixos em décadas, portanto, a vegetação do Pantanal está muito seca. Quando saí, a umidade era de 7% e a temperatura era de 40º C.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Com as mudanças climáticas, é provável que o Pantanal se torne ainda mais quente e seco. A seca pode ainda ser agravada por barragens construídas rio acima. Clique aqui para ler mais sobre isso

Alguns incêndios de baixa severidade, juntamente com inundações anuais, ajudam a criar o mosaico que dá ao Pantanal sua diversidade de paisagens. Mas neste ano, os incêndios estão queimando em uma escala muito maior e com maior severidade do que o normal.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Mais incêndios já foram registrados este ano do que entre 2014 e 2019, e a chuva ainda não chegou:

Volume de queimadas no pantanal, em 2020, equivale a destruição dos últimos seis anos 

Estima-se que 15% da área total do Pantanal tenha sido queimada até agora. Dirigindo pela Transpantaneira, de Poconé a Porto Jofre, ficou claro que esse total é muito maior nessa região do Pantanal. Passamos quilômetro após quilômetro de paisagens queimadas.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Isso é uma tragédia para as pessoas e para a vida selvagem. Nós nos juntamos aos habitantes locais, que lutam contra os incêndios sem equipamento ou treinamento adequado, para evitar que as chamas chegassem a um assentamento. A fumaça é tão espessa que a visibilidade em alguns dias é de apenas algumas centenas de metros.

Uma vez que eles comecem, é quase impossível extinguir completamente esses incêndios. “É como um câncer”, disse-me um local. “Você apaga aqui, e vai brotar em outro lugar”.

As brasas em combustão lenta sobrevivem e voltam a se incendiar. Árvores e cipós sobem em largas extensões de fogo enviando milhares de faíscas brilhantes pela paisagem.

Animais que poderiam facilmente fugir de uma queimada única são aprisionados por várias frentes de fogo. Os que sobrevivem estão sendo resgatados com queimaduras e problemas respiratórios. Vimos capivaras, antas, quatis e uma lontra fugindo dos incêndios através de uma paisagem ressequida e coberta de cinzas.

 

 

 

Nossas férias transformaram-se rapidamente em esforços para ajudar aqueles que estavam combatendo os incêndios – pousadeiros, ONGs ambientais e uma pequena equipe de bombeiros.

 

 

 

Muitos bombeiros voluntários são de comunidades indígenas e não podem operar normalmente por causa da pandemia.

Minha esposa iniciou uma campanha de arrecadação de fundos e até agora arrecadou dinheiro suficiente para comprar um caminhão para transportar 8 mil litros de água para a linha de frente, assim como bombas de água e EPIs. Você pode fazer uma doação aqui: http://vaka.me/1359949

Outras organizações que você pode apoiar estão listadas aqui – encontramos equipes da Ampara e da Ecotrópica trabalhando para ajudar os animais que fogem dos incêndios: https://twitter.com/mortaemparma/status/1305168520842547201

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Se você estiver fora do Brasil, pode apoiar a principal organização internacional que vimos combatendo os incêndios no Pantanal: Panthera (https://twitter.com/PantheraCats/status/1304480160935272453)

Quando as chuvas chegarem, uma enorme quantidade de cinzas será levada aos rios. As pessoas que moram no Pantanal nos dizem que já viram isso antes, e que isso resultará em uma grande mortandade de peixes.

O Pantanal vai ficar verde novamente com as chuvas. Mas muitos animais terão morrido e as populações de algumas espécies se esgotarão. Áreas que foram cobertas por árvores levarão décadas para se recuperarem. O sofrimento tem sido imenso:

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

Ninguém quer ver de perto a morte que o fogo traz para o Pantanal. Eu vi

Se, devido às mudanças climáticas e ao uso do solo, o fogo nesta escala se tornar mais frequente, o Pantanal começará a perder suas espécies de floresta tropical e se tornará dominado por espécies de savana e floresta seca. Perderá parte de sua riqueza.

O que precisa acontecer em seguida? A resposta do poder público, em todos os níveis, da municipal à nacional, tem sido inadequada. Temos visto bombeiros, Ibama e ICMBio na região, mas são poucos homens e mulheres quando são necessários centenas. Vimos um único carro de bombeiros.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

O Pantanal precisa de uma resposta pública compatível com a escala do problema. As ONGs e os habitantes locais não podem assumir isto sem apoio adequado.

Ao invés de procurar culpados, o que é necessário após a resposta de emergência é o diálogo para traçar um caminho para o Pantanal. Fazendeiros, ONGs, o setor de turismo e autoridades governamentais em diferentes níveis devem todos encontrar pontos de vista comuns.

Sempre ouvi falar do Pantanal como um exemplo de criação de gado em harmonia com a natureza. Isso só é possível porque os pecuaristas conduzem um número relativamente pequeno de cabeças de gado através de uma grande área.

Foto feita por Ben Phalan e Luciana Leite, no Pantanal, durante a viagem

A expansão e intensificação desenfreadas da pecuária, em combinação com as mudanças climáticas e outros fatores de estresse, podem levar ao fim do Pantanal como o conhecemos. Espero que esse cenário possa ser evitado.

Para acabar meu relato de uma forma positiva, deixo aqui o vídeo de uma anta que foi resgatada dos incêndios. Como alguém que trabalha na linha de frente me disse, “Eu sei que não posso salvar todo o Pantanal. Mas se mesmo um só quati sobreviver por minha causa, saberei que meus esforços valem a pena”

 

 

 

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