Pequeno, muito social, migrante, exuberante e adora voar: esse é o papagaio-charão

Publicado por parquedasaves em 21/06/2023

Tempo de leitura: 5 minutos

Por Jaime Martinez, professor da Universidade de Passo Fundo/RS e coordenador do Projeto Charão (AMA-UPF)

O papagaio-charão (Amazona pretrei), a menor entre as espécies de papagaios brasileiros, ocorre nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Apesar de seu tamanho, é o papagaio que voa as maiores distâncias todos os dias em busca de alimentos, e também que realiza as maiores concentrações de sua população.

E provavelmente ele é a espécie de papagaio que vocaliza com maior volume e intensidade quando está em grupos de milhares.

Preparado para conhecer um pouco mais sobre esse pequeno notável? Vamos lá!

Papagaio-charão de costas e com o pescoço virado, olhando de lado em direção à câmera.

O papagaio-charão (Amazona pretrei) possui uma conexão muito forte com a araucária ou pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia), já que as suas sementes, chamadas de pinhão, serve de alimento para essa e muitas outras espécies.

Uma ave bastante social

O papagaio-charão é fácil de reconhecer por sua máscara vermelha que cobre a testa e vai até a região posterior dos olhos, destacando-se na plumagem geral de cor verde-claro.

A exemplo dos demais papagaios, o charão é uma espécie bastante social, gostando de andar em grupos grandes, de dezenas a milhares de aves, principalmente na busca por alimentos e no final do dia, quando se reúnem para pernoitar numa mesma floresta, nos dormitórios-coletivos

A revoada do papagaio-charão é uma visão emocionante. De fato, todos os anos, pessoas do mundo inteiro vem à Urupema (Santa Catarina) para observar esse momento mágico.

Quando estão no período de reprodução, durante a primavera e o começo do verão, eles costumam voar em grupos menores, geralmente formados apenas pelo casal. 

Quem realiza a incubação dos ovos é a fêmea, e a principal função do macho nesse período é trazer alimentos para ela, para que não precise se afastar por muito tempo do ninho.

Quando os filhotes, geralmente 2 a 3 por ninho, desenvolvem bem as penas e conseguem realizar seus primeiros voos, em cerca de uma a duas semanas eles se reúnem com o bando no dormitório-coletivo.  

Quando completam cerca de um mês fora dos ninhos, esses filhotes seguem os adultos em sua grande viagem em rotas migratórias. Sim, o papagaio-charão é uma espécie migratória.

Dois papagaios-charões voando sobre um fundo azul. Um deles está de asas abertas e o outro está com as asas semi-fechadas.

O papagaio-charão é o único papagaio migratório do Brasil. Nos meses frios, ele migra em bandos do Rio Grande do Sul para Santa Catarina para se alimentar de pinhões.

Tudo por uma semente

O papagaio-charão se reproduz em uma ampla região do Rio Grande do Sul e durante o final do verão e começo do outono os bandos se deslocam para o sudeste de Santa Catarina, para as regiões serranas, em busca das Florestas com Araucárias

Nessa época, que se estende até meados do inverno, o papagaio-charão busca as sementes do pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia), conhecidos por pinhões, como principal componente de sua dieta alimentar. 

A foto mostra uma araucária em meio a arbustos e árvores, com seus galhos curvados para cima e sua copa em formato de cálice. O céu está azul e sem nuvens.

A araucária tem um formato muito característico, e pode ser encontrada nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Foto: Adriano Silvério.

Nesse período, as revoadas do papagaio-charão são constituídas por centenas ou milhares de aves, proporcionando um espetáculo da vida silvestre, com um som que encanta as pessoas do planalto catarinense e também os turistas, que para lá se dirigem para observar esse espetáculo. 

Quando a safra de pinhão começa a declinar, os bandos começam a retornar para o Rio Grande do Sul para começar um novo ciclo reprodutivo.

Um pinhão, semente de araucária, é segurada entre os dedos. Ele está aberto, rasgado pelo bico de um papagaio-charão.

O papagaio-charão abre o pinhão com seu bico para se alimentar da parte interna e comestível da semente.

O Projeto Charão

Os pesquisadores do Projeto Charão detectaram as rotas migratórias do papagaio-charão em 1995 através da realização de contagens dos papagaios ao longo de todo o ano em diferentes regiões e, posteriormente, com a técnica da radiotelemetria, esse comportamento migratório pôde ser comprovado.

Até meados da década de 1980, a grande concentração populacional do papagaio-charão no período de produção das sementes do pinheiro-brasileiro acontecia no nordeste do Rio Grande do Sul, no atual município de Muitos Capões. 

Nessa região, o governo federal criou em 1981 uma das primeiras estações ecológicas do Brasil, destinada à pesquisa e à conservação de um ambiente florestal que até então era o maior dormitório-coletivo da espécie, sendo batizada como Estação Ecológica de Aracuri

Três pessoas estão sorrindo olhando para a câmera. Ao fundo vemos algumas árvores araucárias.

Benjamin Phalan, chefe de Conservação do Parque das Aves, com Nêmora e Jaime, fundadores do Projeto Charão.

Ornitólogos e observadores de aves de todo Brasil e do exterior foram à cidade observar as exuberantes e sonoras revoadas realizadas por milhares de papagaios. 

Contudo, a criação da área natural protegida não foi suficiente para dar suporte a mais de 10.000 papagaios, pois a área no entorno de Aracuri sofreu perda de áreas florestais também visitadas pelos papagaios e, já no começo dos anos 1990, o papagaio-charão deixou de fazer suas grandes reuniões populacionais nessa unidade de conservação. 

“Para onde teriam ido, e o que aconteceu com os milhares de papagaios?”, era a pergunta que a comunidade científica e a comunidade em geral se faziam. 

Buscando responder a essas perguntas surge em agosto de 1991 o Projeto Charão, uma parceria entre a Universidade de Passo Fundo (UPF) e a Associação dos Amigos do Meio Ambiente (AMA). 

O Projeto ainda hoje segue realizando atividades de pesquisa e aplicando estratégias de conservação para a espécie.

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